
Inquérito Policial - O Que é e Como Funciona
O inquérito policial é um procedimento essencial na investigação de crimes no Brasil. Ele visa apurar a verdade real de um fato supostamente criminoso e antecede a ação penal ao reunir provas de autoria e materialidade da infração penal.

Giulia Soares
24 de fevereiro de 2025
15 min de leitura

Giulia Soares
24 de fevereiro de 2025
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O que é um Inquérito Policial?
Trata-se de um procedimento preliminar à ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária, destinado à obtenção inicial de provas para verificar a ocorrência de uma infração penal e identificar sua autoria.
Sua principal finalidade é fornecer elementos para a formação da convicção do representante do Ministério Público, bem como garantir a preservação de provas urgentes que possam se perder com o tempo.
Além disso, em certos casos, reúne provas pré-constituídas essenciais para que a vítima possa ingressar com a ação penal privada.
Notitia criminis: A notícia do crime (notitia criminis) é o conhecimento, espontâneo ou provocado, de um fato aparentemente criminoso pela autoridade competente. Pode ser comunicada à polícia, ao Ministério Público ou ao magistrado.
O delegado avalia o caso e pode iniciar investigações. O Ministério Público (MP), se houver indícios suficientes, pode oferecer denúncia diretamente ou requisitar diligências.
Já o magistrado pode encaminhar a notícia ao MP ou determinar a instauração do inquérito policial.
A notícia do crime não se confunde com a denúncia oferecida pelo Ministério Público, que ocorre quando há elementos suficientes de materialidade delitiva e indícios de autoria para a propositura da ação penal.
Da mesma forma, também não se equivale ao indiciamento realizado pela autoridade policial ao concluir as investigações.
Delatio criminis: A Delatio Criminis é uma forma de Notitia Criminis em que qualquer pessoa do povo comunica uma infração penal, sem ser a vítima ou seu representante.
- Postulatória: ocorre quando o ofendido apresenta representação em ações penais condicionadas;
- Simples: comunicação por qualquer pessoa sobre crime de ação pública (art. 5º, § 3º, CPP), exigindo verificação prévia.
A delação apócrifa (denúncia anônima) não pode, por si só, fundamentar um inquérito, mas pode justificar diligências preliminares para confirmar os fatos antes da instauração formal.
O inquérito é conduzido pelo delegado de polícia, que é responsável por coletar evidências para esclarecer o fato em questão. As atividades desempenhadas incluem:
- Apreensão de objetos relacionados ao crime;
- Ouvir o ofendido e o indiciado;
- Realização de perícias e reconhecimento de pessoas e objetos.
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Instauração do Inquérito Policial
O inquérito policial pode ser instaurado de cinco formas distintas.
Veja abaixo:
- De ofício: O inquérito policial pode ser instaurado de ofício, quando a autoridade policial toma conhecimento de um delito no exercício de sua função, como no caso de uma equipe da Polícia Civil encontrando o corpo de uma vítima de homicídio e instaurando a investigação;
- Por requisição de autoridades públicas: Em alguns casos, uma autoridade pública com prerrogativa pode requisitar a instauração de um inquérito policial. Nesse caso, o delegado é obrigado a instaurá-lo, pois a requisição tem caráter de ordem, exceto quando a ordem for manifestamente ilegal. Exemplo: O juiz ou o promotor toma conhecimento de um delito e requisita a instauração do inquérito.
- Por requerimento do ofendido: No caso de requerimento, o ofendido procura a polícia para comunicar a ocorrência de um crime, dando início ao inquérito. Nos casos de ação penal pública condicionada à representação ou ação penal privada, o delegado não pode iniciar o inquérito sem a solicitação. Exemplo: uma vítima de ameaça vai à delegacia pedir que o crime seja investigado. Vale notar que o requerimento não é uma ordem, podendo ser indeferido pelo delegado, que, se o fizer, deverá justificar a decisão. O ofendido pode recorrer ao chefe de polícia, conforme o art. 5º, §2º do CPP.
- Denúncia de terceiros: A instauração do inquérito pode ocorrer quando um terceiro, não envolvido nos fatos, mas que tem conhecimento sobre a infração penal, procura a autoridade policial para comunicar o ocorrido. A autoridade, ao verificar a procedência da informação, pode dar início ao inquérito. Vale destacar que essa instauração, sem o requerimento da vítima, só pode acontecer em crimes de ação penal pública incondicionada.
- Com a lavratura do auto de prisão em flagrante: Quando a autoridade policial toma conhecimento de um flagrante delito, seja por meio próprio ou através de outro órgão de segurança, como a Polícia Militar, deve iniciar o inquérito policial. Nesse caso, ao lavrar o auto de prisão em flagrante, o delegado também deve instaurar o inquérito com base nos fatos que justificaram a prisão. Vale ressaltar que essa é uma das formas mais comuns de instauração do inquérito policial. No entanto, em infrações de menor potencial ofensivo, não é lavrado o auto de prisão em flagrante, mas sim o Termo Circunstanciado de Ocorrência.
Importante: Não pode ser iniciado apenas com base em denúncia anônima.
O STF em julgamento do HC 106664/SP determina que uma denúncia anônima sozinha não justifica a abertura de um inquérito policial.
No entanto, ela pode levar a uma investigação preliminar para verificar a veracidade dos fatos. Se confirmado o crime, a autoridade pode instaurar o inquérito.
Finalidade do Inquérito Policial
O Inquérito Policial tem como objetivo a coleta de elementos de informação sobre a autoria e materialidade do delito, não sendo destinado à produção de provas, já que ainda não há a participação das partes com direito ao contraditório e à ampla defesa.
Esses elementos são fundamentais para formar a convicção do Ministério Público e subsidiar o juiz na adoção de medidas cautelares.
A palavra "prova" só se aplica aos elementos produzidos no processo judicial, onde as garantias constitucionais são observadas.
Por isso, durante a investigação, nos referimos aos dados obtidos como elementos de informação.
Com o pacote anticrime, o sistema acusatório ficou mais rigoroso, dividindo a figura do juiz em juiz das garantias e juiz da instrução.
O CPP determina que os autos da investigação fiquem arquivados no juízo das garantias, garantindo que o juiz que sentenciará o réu não tenha acesso aos autos da investigação, apenas aos do processo.
O inquérito policial sempre teve valor probatório relativo, sendo usado subsidiariamente para complementar as provas no juízo, sob o contraditório.
Com a Lei n. 13.964/19, o art. 3º-C, §3º, determinou que os autos de investigação ficassem acautelados na secretaria do juiz das garantias, sem serem apensados ao processo. Isso gerou controvérsia, pois o art. 12 do CPP exige que o inquérito acompanhe a denúncia.
O STF, então, declarou a inconstitucionalidade dos §§ 3º e 4º do art. 3º-C, garantindo que os autos da investigação sejam enviados ao juiz da instrução e julgamento.
[...] Declarar a inconstitucionalidade, com redução de texto, dos §§ 3º e 4º do art. 3º-C do CPP, e atribuir interpretação conforme para entender que os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias serão remetidos ao juiz da instrução e julgamento; [...] (Informativo n. 1106 do STF).
As provas cautelares, não repetíveis e antecipadas podem ser usadas excepcionalmente durante a investigação, quando não podem ser repetidas em juízo.
Contudo, como o contraditório real não ocorre, utiliza-se o "contraditório diferido", em que as partes discutem a prova depois de formada.
O art. 3º-C, §3º, do CPP permite que o juiz da instrução tenha acesso a essas provas, garantindo sua avaliação no processo.
Características do Inquérito Policial
O inquérito policial possui natureza administrativa e várias características marcantes:
- Administrativo: Não tem caráter processual, sendo um procedimento administrativo;
- Dispensável (art. 39, § 5º, CPP): Não é essencial para a propositura da ação penal, caso já exista justa causa;
- Informativo: Não pode gerar nulidades no processo penal;
- Sigiloso (art. 20, CPP): Não é sujeito ao princípio da publicidade;
- Inquisitivo (art. 14, CPP): Não observa os princípios do contraditório e da ampla defesa;
- Discricionário: É realizado conforme a discricionariedade da autoridade policial;
- Indisponível (art. 17, CPP): Não pode ser arquivado pela autoridade policial;
- Autoridade (art. 4º, caput, CPP): É conduzido por uma autoridade pública, no caso, o delegado de polícia;
- Oficiosidade (art. 5º, I CPP): Nos delitos de ação penal pública, a polícia judiciária deve atuar de ofício;
- Oficialidade: É de responsabilidade de um órgão oficial do Estado, a Polícia Judiciária.
- É escrito (art. 9º do CPP): O inquérito policial é um procedimento formal e, por essa razão, sua principal característica é ser documental. Ou seja, qualquer ato realizado oralmente durante o inquérito deve ser registrado por escrito.
Consequentemente, o inquérito não é um processo, mas sim um procedimento administrativo.
O contraditório e a ampla defesa, conforme o inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal (CF), aplicam-se a litigantes em processos judiciais ou administrativos, já que o inquérito não possui acusados.
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Procedimentos no Inquérito Policial
Uma das principais etapas do inquérito policial é o levantamento de provas.
O artigo 6º do CPP estabelece as providências que devem ser tomadas pela autoridade policial:
Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;
II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;
III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;
IV - ouvir o ofendido;
V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título Vll, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura;
VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações;
VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;
VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;
IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.
X - colher informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa.
Essas diligências podem ser ajustadas conforme a peculiaridade do caso, mas algumas são obrigatórias, como o exame de corpo de delito em infrações com vestígios.
Direitos do defensor
- Ter acesso aos autos e fazer cópias ou anotações;
- Acompanhar o interrogatório de seu cliente;
- Estar presente nos depoimentos;
- Fazer perguntas às testemunhas, vítimas, ao cliente e aos peritos;
- Apresentar argumentos.
Súmula Vinculante 14: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.
Além do advogado, outros sujeitos processuais também têm acesso ao inquérito policial para cumprir suas funções no processo penal, como:
- O Ministério Público;
- O Juiz.
Indiciamento no Inquérito Policial
O indiciamento é o ato pelo qual a autoridade policial, por meio do delegado, conclui que existem indícios suficientes de autoria e materialidade de um crime, imputando a prática do ilícito a alguém.
Esse ato é exclusivo do delegado, que, ao finalizar o inquérito, poderá indiciar o investigado se estiver convencido dos indícios.
Apesar de ser considerado uma "meia denúncia", o indiciamento não vincula o Ministério Público, que pode, por sua vez, decidir pelo arquivamento se não houver justa causa para a ação penal, mesmo que o delegado tenha indiciado.
Em última instância, o Ministério Público é quem tem a palavra final sobre a ação penal.
Arquivamento do Inquérito Policial
Um dos pontos mais controversos trazidos pela Lei n. 13.964/19, especialmente com a criação do juiz das garantias, está na alteração do artigo 28 do CPP.
Art. 28. Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei.
A mudança no artigo 28 do CPP, trazida pela Lei n. 13.964/19, gerou controvérsias.
O legislador alterou o procedimento de arquivamento do inquérito policial, retirando a possibilidade do juiz discordar da decisão, transferindo a revisão ao Procurador-Geral.
A principal novidade é a inclusão dos parágrafos: §1º A vítima pode pedir revisão do arquivamento ao MP, no prazo de 30 dias. §2º Nos crimes contra a União, Estados ou Municípios, a revisão pode ser pedida pela chefia do órgão responsável.
Antes, a vítima não tinha direito de questionar o arquivamento, mas agora pode recorrer ao Ministério Público.
A mudança dá mais poder à vítima e tira o juiz do processo de revisão, deixando o MP no controle.
A redação do art. 28, caput gera certa confusão, pois o artigo trata da remessa para homologação, enquanto o §1º abre a possibilidade de revisão do arquivamento, caso a vítima peça.
Essa diferença de abordagem gera ambiguidade no procedimento.
A interpretação correta da nova redação do art. 28 foi finalmente clarificada pelo STF durante os debates e análise das ADIs (6.298, 6.299, 6.300 e 6.305).
A Corte procurou dar uma interpretação conforme ao artigo, alterando a forma como o texto legal deve ser compreendido, o que impactou diretamente no procedimento a ser seguido pelo MP e pelo juiz.
De acordo com o STF, mesmo sem previsão legal expressa, o MP deve submeter sua manifestação ao juiz.
O MP não tem a obrigação de encaminhar os autos ao PGJ (Procurador-Geral de Justiça) ou à CCR (Câmara de Coordenação e Revisão), instâncias superiores administrativas.
O juiz, caso identifique ilegalidade ou teratologia no arquivamento, pode provocá-las. Se não houver esses vícios, o juiz não precisa homologar o arquivamento.
Já a vítima tem o direito de solicitar a revisão do arquivamento pela instância superior, sem estar restrita aos casos de ilegalidade ou teratologia.
Resumo: O arquivamento não pode ser decidido pela autoridade policial; a competência para determinar o arquivamento é do Ministério Público.
Caso a vítima não concorde com o arquivamento, ela pode recorrer à instância superior do MP.
Desarquivamento: É viável desarquivar um inquérito quando surgem novas provas (art. 18, do CPP e Súmula 524 do Supremo Tribunal Federal).
Dependendo da situação, o arquivamento do inquérito pode resultar em coisa julgada formal ou material, o que afeta a possibilidade de reabertura do caso.
Incomunicabilidade durante o Inquérito Policial
A incomunicabilidade prevista no art. 21 do CPP foi afastada, pois este artigo não foi recepcionado pela CF/88.
De fato, atualmente, não há mais nenhuma previsão legal que permita que um preso seja mantido incomunicável, conforme a Constituição Federal vigente.
Assim, o art. 21 do CPP deve ser desconsiderado.
Prazo para conclusão do Inquérito Policial
Comum (Justiça Estadual) - Artigo 10, do CPP:
- Investigado preso: 10 dias, prorrogáveis uma vez por +15 (10+15);
- Investigado solto: 30 dias, prorrogáveis;
Comum (Justiça Federal) - Artigo 10, do CPP e artigo 66, da Lei nº 5.010/66:
- Investigado preso: 15 dias, prorrogáveis uma vez por +15 (15+15);
- Investigado solto: 30 dias, prorrogáveis;
Lei de Drogas n. 11.343/06:
- Investigado preso: 30 dias + 30;
- Investigado solto: 90 dias + 90
Prisão temporária em caso de crimes hediondos: 30 dias + 30 (Investigado PRESO).
Finalidade e importância do Inquérito Policial
O inquérito policial auxilia o órgão da acusação fornecendo os elementos necessários para justificar a proposição da ação penal.
Mesmo sem contraditório, suas provas orientam a acusação e facultam juízes a decretar prisões cautelares, sejam elas temporárias ou preventivas, conforme determinam as normas vigentes na legislação brasileira.
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O conteúdo desta página refere-se à legislação vigente no momento da publicação.
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